Neste ano de 2023, o salário mínimo nacional sentiu uma subida estonteante de 7,8%. Dizem os entendidos tratar-se do maior aumento de sempre. Não fosse a inflação, e seria uma notícia para ganhar, pelo menos, mais 4 anos de governação. Estamos assim com um salário médio de 19.300€/ano e temos, neste momento, a março de 2023, uma taxa de desemprego de 7,1%. O que equivale a cerca de 375.000 pessoas desempregadas.
Então, como se enquadra a realidade das TIC nestes números?
Recordo-me de uma notícia de junho de 2020, onde se escrevia que Portugal necessitava de 40.000 programadores. Sem entrar em detalhes, o programa público com parcerias privadas “APOSTAR EM TI – FORMAÇÃO NA ÁREA DE INFORMÁTICA”, diz, pela informação descrita no seu website, que desde 2019 já formou 24 alunos… talvez os números não estejam atualizados.
Honestamente, não procurei por dados mais atuais em relação às necessidades presentes de programadores, mas estando na área de gestão de projetos e programação, acredito que esta necessidade ou se mantém, ou cresceu de forma assustadora.
O que sei, é que os salários na área de tecnologias aumentaram 36% de 2021 para 2022, o que significa que os informáticos devem estar radiantes, a auferir, pelo menos, o dobro do salário médio nacional, felizes da vida e satisfeitos com a sua tomada de decisão por uma carreira “Tech”. E as empresas em Portugal, devem estar satisfeitas com a produtividade desses talentos, que lhes permitem ser competitivas e desenvolver projetos de valor acrescentado.
Mas o conto de fadas tem um senão: estamos num conflito latente entre todas as empresas estabelecidas em Portugal, sejam da área tecnológica ou não, pela busca de talentos “Tech”. Isto porque, para se ter uma ideia, 20% dos talentos “Tech” portugueses, estão cá, mas não trabalham para empresas sediadas em Portugal, ou seja, estão em Portugal a trabalhar de forma remota para empresas europeias ou americanas e a receberem muito mais que o dobro do salário médio nacional.
Então, porque não fazemos nós o mesmo? Porque não vamos contratar na Ásia, América do Sul ou países de leste? Será pelas diferenças culturais? Não, a razão é que já lá estão outros países europeus e americanos que fazem com que deixemos de ser apelativos a nível salarial.
Voltamos a olhar para o nosso país e para a nossa “matéria-prima”, que devido a todas estas variáveis, transformou muitos desses talentos em autênticos mercenários nesta guerra de recursos, disponíveis a quem pagar mais, sem sentido de lealdade a empresas ou projetos.
O conflito adensa-se quando as empresas recorrem a especialistas de recrutamento para colmatar as suas necessidades e, estes, para satisfazer e reter os seus clientes, conseguem recrutar, cada vez a maior valor. Mas como encontram esses talentos? Aliciando para que abandonem a sua atual empresa para este novo projeto com uma maior valorização.
As empresas com recursos financeiros tentam contornar este problema criando as suas próprias academias, atraindo assim universitários a enveredar por esta área, dando-lhes de imediato formação e estágios, conseguindo, desta forma, contratar novos profissionais a salários ditos ‘normais’.
Mas estão, muitas vezes, a redirecionar os seus valiosos recursos para estes novos departamentos que não são o seu core business nem têm o know-how, correndo sempre o risco destes recursos, depois de formados, aproveitarem para se catapultarem para outras empresas.
Este é o ciclo onde nos encontramos: não acrescentamos valor e sobrevalorizamos esta área a um ponto em que muitas empresas podem mesmo colapsar.
Por fim, a nossa forma de abordar o problema, é sempre associando esta área às engenharias. Não estou a dizer que, em muitos casos, não necessitemos dessas engenharias, mas conheço muitos programadores de excelência, sem formação superior ou sem engenharias de informática.
Quais as alternativas que vejo?
Primeiro, esperar que o Estado incentive os jovens para cursos universitários na área TIC, pelo menos durante 3 anos e, por fim, como todos os que estamos envolvidos nesta área sabemos, os empregadores terão de formar estes universitários para enquadrar a sua formação com as necessidades tecnológicas atuais do mercado.
Depois, requalificar internamente pessoas de outros departamentos da empresa onde se possa ser mais fácil recrutar e, assim, conseguir – quem sabe – uma nova motivação a estes colaboradores que eventualmente já não se sentissem tão válidos na estrutura. É claramente uma mais-valia para todos, visto que a empresa tem poupanças significativas no processo de recrutamento e acolhimento à sua cultura;
E, por fim, perceber que, atualmente, o talento Tech não tem de ter formação superior para ser uma mais-valia para a empresa. O talento tem de ser válido tecnicamente e criar valor, por isso, estamos a necessitar muito mais de técnicos do que gestores ou decisores, temos de ser muito pragmáticos se queremos sair deste impasse.
Não podemos esperar que o Estado resolva este desafio. Eu vejo o Estado como um bom garante da sociedade e como quem regulamenta o fundamental de um país. É, a meu ver, um navio de grande porte que nos tenta levar a todos a bom porto, mas não esperem que esse navio efetue manobras em tempo recorde, pois não irá funcionar assim.
Tenho prestado atenção ao fenómeno alemão, pela sua forte cultura de engenharia e excelência técnica, valorizando acima de tudo a formação na engenharia. Encontra-se, agora, numa escassez imensa de técnicos qualificados, especialmente em setores como a indústria automóvel, aeroespacial e, claro está, nas tecnologias.
Para terminar gostaria de partilhar uma notícia do final do ano, sobre o relatório “O Estado da Tecnologia Europeia 2022”, onde descreviam o seguinte:
O relatório faz ainda uma análise da evolução do investimento na Ucrânia, indicando que a indústria tecnológica ucraniana refletiu a maior resiliência europeia, apesar da guerra. “Nos primeiros oito meses de 2022, as TIC na Ucrânia cresceram 16% face ao ano anterior”, refere o estudo, sublinhando que esta é a única indústria de exportação que gera rendimentos em moeda estrangeira de forma estável para a Ucrânia.
Isto num país em real “guerra”, dá que pensar sobre a importância da tecnologia na sociedade.
Somos nós que temos de mudar a forma como abordamos estes temas, são as nossas pessoas, os nossos clientes e a nossa rentabilidade que está em risco.
Sempre fomos uma cultura com espírito aventureiro, de desenrascanço, de soluções fora da caixa.
Está na hora de o provar e de conseguir reter, desenvolver e redefinir o nosso talento nas empresas.
Artigo de opinião de Nuno Rosado, Co-Founder & CEO da TechOF, publicado na Executive Digest